Amor é fogo que arde sem se ver Amor é fogo que arde sem se ver; É ferida que dói e não se sente; É um contentamento descontente; É dor que desatina sem doer; É um não querer mais que bem querer; É solitário andar por entre a gente; É nunca contentar-se de contente; É cuidar que se ganha em se perder; É querer estar preso por vontade; É servir a quem vence, o vencedor; É ter com quem nos mata lealdade. Mas como causar pode seu favor Nos corações humanos amizade, Se tão contrário a si é o mesmo Amor? Luís de Camões
Poema Amor é fogo que arde sem se ver (com Análise e Interpretação)

Revisão por Rebeca Fuks
Amor é fogo que arde sem se ver é um soneto de Luís Vaz de Camões (1524-1580), um dos maiores escritores portugueses de todos os tempos. O famoso poema foi publicado na segunda edição da obra Rimas, lançada em 1598.Doutora em Estudos da Cultura
Camões é um desses poetas. Seu soneto é um exemplo do uso fino da palavra e da criação de figuras e imagens, o que nos ajuda a entender um pouco de nós mesmos.
Estrutura poética
O poema acima de Camões é um soneto italiano.
O soneto é uma forma fixa de poesia que consiste em quatro estrofes: os dois primeiros com quatro versos (quartetos) e os últimos com três versos (tercetos). A estrutura costuma ser a mesma: começa com a apresentação de um tema, que passa a ser desenvolvido, e, geralmente no último verso, contém uma conclusão que esclarece a questão.
A poesia de Camões segue a fórmula do soneto clássico. É decassílabo, o que significa que contém dez sílabas poéticas em cada estrofe. A sílaba poética, ou sílaba métrica, se diferencia da gramatical porque ela é definida pela sonoridade. A contagem das sílabas em uma estrofe termina na última sílaba tônica.
/é/ um/ con/ten/ta/men/to/ des/con/ten/te
1 / 2 / 3 / 4 / 5 / 6 / 7 / 8 / 9 / 10 / x
Nas primeiras onze estrofes podemos observar uma cesura (corte) na sexta sílaba poética. A cesura é uma pausa rítmica no meio da estrofe. O poema possui um esquema rímico clássico, formado por ABBA, ABBA, CDC, DCD.
A = er; B= ente; C = ade; D = or.
Descubra o poeta Luís de Camões
Luís Vaz de Camões, autor de Os Lusíadas se tornou um dos maiores poetas da literatura portuguesa.
Nascido em Lisboa em torno de 1524, o rapaz assistiu às conquistas marítimas do grande império português na aquisição de colônias.
O jovem estudou num convento e mais tarde se tornou professor de história, geografia e literatura. Camões chegou a entrar no curso de Teologia, mas acabou por desistir da empreitada. Por fim ingressou no curso de Filosofia.

Retrato de Luís Vaz de Camões.
Camões era boêmio e teve uma vida agitada, repleta de confusões e casos amorosos. Uma das suas paixões mais ardentes foi com D.Catarina de Ataíde, dama da rainha D. Catarina da Áustria (mulher de D.João III).
Análise e interpretação
Camões desenvolve o seu poema de amor através da apresentação de ideias opostas: a dor se opõe ao não sentir, o contentamento que é descontente.
O poeta usa esse recurso de aproximação de coisas que parecem distantes para explicar um conceito tão complexo como o amor.
Amor é fogo que arde sem se ver,
é ferida que dói, e não se sente;
é um contentamento descontente,
é dor que desatina sem doer.
Por meio da aproximação dos opostos, o poeta nos traz uma série de afirmações sobre o amor que parecem contraditórias, mas que são inerentes à própria natureza do sentimento amoroso. Esse recurso linguístico é chamado antítese.
Outro ponto importante é que o poema do mestre português é baseado num raciocínio lógico que leva a uma conclusão. Essa argumentação fundamentada na apresentação de afirmações que levam a uma consequência lógica é chamada silogismo.
No poema de Camões, as afirmações são feitas nos dois quartetos e no primeiro terceto, sendo a última estrofe a conclusão do silogismo, como podemos observar.
Mas como causar pode seu favor
nos corações humanos amizade,
se tão contrário a si é o mesmo Amor
O formato do soneto clássico e a sonoridade estão diretamente relacionados ao conteúdo do poema. Nas onze primeiras estrofes temos o desenvolvimento de um raciocínio e observamos uma sonoridade próxima por conta das rimas e da pausa na sexta sílaba métrica.
Camões, mais um poeta a falar sobre o amor
Camões usa do pensamento lógico para expor um sentimento humano muito profundo e complexo, o amor. O tema do amor é muito caro à poesia, explorado há séculos por diversos escritores.
Um dos pontos mais abordados sobre o amor é em relação à lealdade daquele que ama em relação ao amado. As cantigas medievais versavam constantemente sobre esse sentimento de servidão. O autor não deixa de colocá-lo no seu poema, usando sempre a antítese para construir o argumento.
É querer estar preso por vontade;
é servir a quem vence, o vencedor;
é ter com quem nos mata, lealdade.
Camões exprime a dualidade desse sentimento de uma forma exemplar. Alcançando o cerne de um dos sentimentos mais complexos que existe; que nos provoca tanto prazer e sofrimento ao mesmo tempo.
Versos atemporais
O poema se torna atemporal enquanto o tema abordado é universal e as figuras usadas para desenvolvê-lo são complexas e belas.
O amor, assim como tudo na vida, é um jogo de dualidades, de ambiguidades. Não existe sentimento que possa ser explicado de forma clara e simples. Porém, alguns poetas conseguem exprimir de forma ímpar sentimentos tão complexos como o amor.
Num dos duelos que Camões protagonizou, acabou por ser preso e desterrado durante um ano de Lisboa. A fim de fugir das inimizades que havia criado, em 1547 o poeta se voluntariou para serviu como soldado na África. Durante os dois anos de serviço em Ceuta combateu contra os mouros, o que lhe custou a perda do olho direito.
Após a atuação militar, Camões regressou a Lisboa, onde voltou a ter a sua vida boêmia e com complicações.
Durante essa nova temporada na capital portuguesa redigiu o clássico poema épico Os Lusíadas - a obra considerada a maior poema épico da língua portuguesa. Em paralelo, seguiu escrevendo os seus versos, muitos deles dedicados à lírica amorosa.
Camões faleceu em Lisboa no dia 10 de junho de 1580.
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